Barrichello marca a pole position e a melhor volta da prova em sua primeira vitória da temporada
A sexta-feira tumultuada, quando não completou sua volta de pré-classificação, não deixou grandes esperanças. Rubens Barrichello, porém, parece ter renascido das cinzas de uma temporada até então apagada, para conquistar o que muitos consideram a vitória mais bonita de sua carreira na F1. Com a autoridade e garra de grandes pilotos em grandes dias, Rubinho simplesmente ignorou Jarno Trulli e Kimi Raikkonen, mais rápidos que ele na primeira fase da prova, e qualquer perturbação que pudesse atrapalhar sua concentração em uma corrida que teve até invasão de pista. As mudanças efetuadas na Ferrari 2003-GA, em particular o aerofólio dianteiro construído em aço (solução copiada da Williams), e cavalos extras produzidos pelo V-10 de Maranello ajudaram o brasileiro, que voltou a ocupar a 5ª colocação no Campeonato Mundial de Pilotos, com 49 pontos, 20 a menos que o líder Michael Schumacher, 4º classificado em Silverstone. Subiram ao pódio com Barrichello, Juan Pablo Montoya (2º) e Kimi Raikkonen (3º), respectivamente 3º e 2º na tabela do campeonato. Ralf Schumacher, vencedor das últimas duas corridas, ficou em 9º e, pela primeira vez na temporada, não pontuou. Outro fator que certamente colaborou tecnicamente para o resultado de Rubinho foi o desempenho dos pneus Bridgestone, que funcionam melhor que os Michelin quando a temperatura ambiente é mais baixa, condição típica daquele país. Posto que a maioria absoluta dos pilotos que chegam à F1 fazem seu aprendizado em categorias internacionais nas pistas da Inglaterra, era natural esperar maior competitividade nessa prova. Quem se destacou sobremaneira na 11ª etapa do ano foram os brasileiros: todos eles bateram seus companheiros de equipe. Cristiano da Matta, por exemplo, largou em 6º (Olivier Panis foi o 13º no grid) e Antônio Pizzonia em 10º, uma posição à frente de Mark Webber. Da Matta, inclusive, chegou a liderar a prova, algo inédito para a Toyota. Ao final da prova, Bernie Ecclestone evitou maiores comentários sobre a invasão de pista por parte de um inglês de 56 anos. O invasor carregava um cartaz no qual estava escrito: “Leia a Bíblia, ela está sempre certa”; ainda não se sabe com precisão quais consequências financeiras e burocráticas que a FIA e a FOA aplicarão aos responsáveis pela segurança e, em última análise, pelo autódromo situado no condado de Northamtonshire, noroeste de Londres. Situação inusitada que marcou a corrida de Silverstone foi a qualidade da transmissão de TV. As imagens geradas pela emissora inglesa evitaram cenas panorâmicas que destacassem painéis publicitários, boicotando uma das fontes de renda de Bernie Ecclestone.
Brigas como nos bons tempos
Depois que a equipe Williams-BMW se encarregou de fazer dos GPs da França, em Magny-Cours, e Europa, em Nürburgring, duas corridas modorrentas, a prova de Silverstone não deixou ninguém dormir. Incidentes, como o protetor de cockpit que soltou do carro de Coulthard e justificou a primeira intervenção do Safety Car, a invasão de pista do fanático religioso e as disputas de freada entre vários pilotos formaram um cenário digno da F1 dos bons tempos. Quando as luzes vermelhas foram apagadas, autorizando o início da corrida, o italiano Jarno Trulli explorou muito bem o poder de largada do seu Renault, certamente uma tecnologia herdada dos tempos que a equipe se chamava Benetton e as partidas de Michael Schumacher despertaram algumas suspeitas sobre a legalidade do sistema na época. Kimi Raikkonen imitou Trulli e também superou o pole position Barrichello; todavia, o finlandês aumentou as dúvidas sobre sua capacidade de andar forte quando está sob pressão. Ele saiu da pista quando era perseguido bem de perto por Rubinho e Montoya. David Coulthard também andou forte, mas dentro do seu estilo, aproveitando-se de circunstâncias da corrida. A equipe Renault estreou a versão B do modelo R23, equipamento cujas modificações foram do chassi à aerodinâmica. Jarno Trulli aproveitou essa mudanças melhor que o espanhol Fernando Alonso. Ralf Schumacher, que vinha marcando pontos em todas as provas da temporada, teve uma atuação discreta e terminou apenas em 9º lugar.
Tradição de confusão
Tida como a pátria do automobilismo de competição e, particularmente, da F1, a Inglaterra não tem o hábito de honrar essa fama quando a categoria disputa provas nessa fria e úmida ilha. Em 1985, por exemplo, era época de limitação do consumo de combustível e, por isso, a distância total das provas era crucial para determinar a estratégia de corrida. E não é que o GP de Silverstone foi encerrado uma volta antes por causa de um erro dos dirigentes? Em 1993, quando o GP da Europa foi disputado em Donington Park, nenhum organizador se deu conta que a volta completada pelo pit lane era bem mais curta que a volta completada pela pista. O resultado disso foi que naquela antológica corrida muitas voltas mais rápidas foram marcadas por pilotos que entravam no box. O GP da Inglaterra deste ano não foi diferente: um fanático religioso travestido de escocês, vestido com as cores da Irlanda, invadiu a pista com um cartaz que exaltava a Bíblia Sagrada. Uma repetição semelhante do alemão que entrou na pista no GP da Alemanha de 2000, coincidentemente na primeira vitória de Barrichello na F1. Menos mal que, novamente, o maluco de plantão não foi sacrificado ao professar seu fanatismo.
Um desempenho acima da média
Guardadas as devidas proporções entre a experiência e qualidade do equipamento e cada um, fica difícil destacar um único brasileiro neste GP. Rubens Barrichello fez ma apresentação que ele mesmo classificou como “uma das melhores corridas a minha vida”. Cristiano da Matta usou toda a sua experiência em corridas norte-mericanas para tirar proveito e uma relargada da qual herdou a 1ª posição. Já Antônio Pizzonia foi super agressivo até que o motor do seu Jaguar o deixasse à beira do caminho na metade da prova. Rubinho não se cansou de agradecer ao empenho dos seus mecânicos na preparação do seu carro para essa prova. Quanto à sua falha na largada ele creditou a perda de suas posições a dois fatores: “O Trulli segurou o pessoal na volta de apresentação e meus pneus esfriaram. Eu acho que na volta de apresentação todo mundo deveria andar mais junto.” Barrichello disse não ter visto o cidadão que invadiu a pista, mas lembrou que isso também aconteceu na sua primeira vitória na F1. “Vão falar que esse cara também é brasileiro”, ele brincou na entrevista coletiva. Com relação às suas chances no campeonato, ele desconversou: “O campeonato está aberto, todos sabem. Mas se eu falar isso vão dizer que eu quero derrotar o Michael (Schumacher), isso e aquilo. Daí que prefiro curtir este resultado importante, do qual estou muito orgulhoso”. No box da Toyota, Cristiano da Matta celebrava mais dois pontos no campeonato e o fato de ter sido o primeiro piloto a liderar uma corrida com o carro japonês. “As últimas duas corridas mostraram nosso progresso e, mais importante, como estamos nos preparando para 2004″. Pizzonia andou forte e, antes de abandonar com problemas no motor, chegou a superar Mark Webber na pista em uma bela manobra.
Pista conhecida leva a equilíbrio
A maioria absoluta das equipes da F1 tem sede nas vizinhanças de Silverstone, circuito que nasceu de um campo de pouso de aviões militares da II Guerra Mundial. Situado a aproximadamente 110 km a noroeste de Londres e próximo da famosa Oxford, o autódromo é um modelo de exploração comercial e sustenta boa parte da população local, que também se ocupa de agronegócios e indústrias pequenas e médias. No interior do circuito funcionam várias oficinas e equipes voltadas ao automobilismo de competição das mais variadas categorias, além de empreendimentos paralelos, que vão desde um hangar de helicópteros até escolas de pilotagem e lojas de sou-venires. A Jordan, por exemplo, construiu seu primeiro carro quando ainda ocupava um galpão nos confins do autódromo; só mais tarde Eddie Jordan mudou-se para a sede própria, cujo acesso é por meio de uma estradinha que inicia bem em frente ao portão principal do circuito. Como Silvertone é geograficamente central e tem poucas restrições de funcionamento, na Inglaterra há circuitos nos quais o número de dias de testes e provas é limitado por leis de poluição ambiental, é normal que muitos pilotos cheguem à F1 trazendo muitas horas de treino nessa pista. Isso ajuda a explicar as performances mais equilibradas entre vários pilotos. Afinal, só mesmo muitas horas de vôo ajudam um piloto a decifrar as consequências práticas das sutis mudanças de vento que ocorrem neste aeródromo, em particular na curva Copse, aquela bem após a largada. Da mesma forma, os engenheiros e mecânicos das equipes conseguem decifrar com precisão as alterações milimétricas de suspensão e aerodinâmica que significam um décimo por volta a mais ou a menos e influenciam no consumo de pneus e combustível. Em outras palavras, apesar de toda a parafernália eletrônica que consome boa parte dos investimentos técnicos das equipes de Fórmula 1 e outras categorias, o elemento humano ainda se mostra superior à rapidez e confiabilidade de chips e cérebros eletrônicos da mais nova e recente geração. E, como provou Kimi Raikkonen nessa etapa, também pode falhar quando submetido a fortes pressões…
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