Para se chegar ao topo da carreira na F1, muitas vezes os pilotos tinham que se sacrificar para conseguir esse intuito, se tornarem atletas, se desfazerem de vários prazeres da vida e se tornar uma pessoa que se mataria para conseguir uma ultrapassagem e vencer uma corrida de F3. Elio de Angelis não precisou usar desses artifícios para se tornar um dos pilotos mais populares dos anos 80, numa época em que a atmosfera do paddock da F1 cada vez menos via pilotos como esse italiano que era fumante, que não precisava pilotar para ser rico e tinha uma tocada leve como uma seda, mas isso não impediu que esse romano nos deixasse muito mais cedo do que imaginávamos.
Elio de Angelis nasceu no dia 26 de março de 1958 em Roma e era o mais velho de quatro irmãos. Sua família era extremamente rica, pois seu pai, Giulio, era dono de uma companhia que fazia barcos e por causa disso, o pequeno Elio tomou contato com a competição de alto nível bem cedo, pois Giulio era um dos mais pródigos pilotos de motonáutica da Itália. Elio de Angelis teve tudo do bom e do melhor em sua infância, tendo várias aulas de piano, se tornando um grande pianista. Elio também era um bom tenista, mas o vírus da velocidade o picou e De Angelis começou sua carreira no kart em 1972, quando contava com 14 anos e enfrentou pilotos como Eddie Cheever e Riccardo Patrese, que se tornou um bom amigo. Após conquistar seu primeiro título italiano de Kart em 1974, Elio de Angelis foi vice-campeão Mundial de Kart em 1975, perdendo o título para François Goldsteim, sem contar o bicampeonato italiano no mesmo ano. Em 1976, Elio conquistava o Campeonato Europeu de Kart e de repente a categoria tinha ficado pequena demais para o jovem italiano.
Elio dá o enorme pulo para a F3 Italiana em 1977 e não se arrepende. À bordo de um Chevron, De Angelis derrotou o seu compatriota Piercarlo Ghinzani e se tornou Campeão Italiano de F3 logo em seu primeiro ano no automobilismo com quatro vitórias. Elio também disputava o Campeonato Europeu da categoria e ele consegue um bom sétimo lugar, com destaque para o segundo lugar no prestigiado Grande Prêmio de Mônaco de F3, logo atrás de Didier Pironi. No final de 1977, De Angelis é convidado por Giancarlo Minardi para fazer algumas provas no Campeonato Europeu de F2 e o futuro chefe de equipe na F1 contrata o jovem italiano para o ano seguinte. De Angelis teria a disposição um motor Ferrari, mas a fábrica estava mais preocupada em desenvolver o carro de F1 e não entrega um bom motor para a equipe de Minardi, a Everest. Para piorar, o chassi escolhido pela equipe, o Chevron, não era páreo ao chassi March que em conjunto com os motores BMW, se mostraram uma combinação vencedora e Elio de Angelis não pôde mostrar seu talento na F2. Porém, no meio do ano Elio decide participar novamente do Grande Prêmio de Mônaco de F3 e debaixo de muita chuva (e polêmica), De Angelis vence a prova e coloca seu nome entre os futuros pilotos de F1.
A equipe Shadow estava tendo sérios problemas financeiros no final de 1978 e estava precisando desesperadamente de dinheiro. Elio de Angelis vinha tendo total suporte do seu pai, que estava dando todo o apoio possível para o filho e em setembro a Shadow ofereceu um teste para De Angelis. A equipe não esperava que um piloto-pagante colocasse 1s sobre Clay Regazzoni e De Angelis foi contratado para pilotar pela pequena equipe em 1979, apesar de também ter uma boa proposta da Tyrrell, na época com mais estrutura do que a Shadow. Com apenas 20 anos, Elio de Angelis se tornaria um dos pilotos mais jovens a pilotar um F1 e teria ao seu lado outro piloto jovem e muito promissor: o holandês Jan Lammers. Como esperado, o pouco financiado Shadow DN9 não era um carro capaz de aparecer no pelotão da frente, mas Elio faz uma estréia muito boa ao chegar em sétimo no Grande Prêmio da Argentina. Três corridas depois o italiano repetiria o resultado em Long Beach e Elio começava a despontar como um piloto do futuro, enquanto batia constantemente seu companheiro de equipe, Lammers.
Mesmo começando a se destacar, Elio de Angelis ainda era olhado com desconfiança pela F1 e o chamavam de piloto-pagante e filhinho de papai. Elio precisava provar que merecia estar na F1 por méritos próprios e na última etapa da temporada 1979, De Angelis finalmente consegue mostrar aos críticos que estava no local certo e consegue um improvável quatro lugar no Grande Prêmio dos Estados Unidos-Leste, no seletivo circuito de Watkins Glen e debaixo de muita chuva. Elio não apenas convencia a F1 que era um piloto a ser observado, como também era um excelente piloto debaixo de chuva. Colin Chapman tinha tido um ano extremamente frustrante em 1979 com seu Lotus 80 e nem de longe repetiu a dominação de 1978. Com a saída de Carlos Reutemann, o chefe de equipe aposta em Elio de Angelis.
Elio teria o Campeão Mundial Mario Andretti ao seu lado e logo na primeira corrida junto com o veterano americano, De Angelis larga na frente do campeão e na etapa seguinte, no Grande Prêmio do Brasil no antigo circuito de Interlagos, De Angelis surpreende ao conseguir um excelente segundo lugar, se tornando então o mais jovem piloto a subir no pódio na F1, só superado por Ralf Schumacher no Grande Prêmio da Argentina de 1997 e Fernando Alonso no Grande Prêmio da Malásia de 2003. Colin Chapman tinha perdido o patrocínio da Martini e agora teria o apoio da petroleira Essex para construir o Lotus 81. Porém, o modelo 81 não era tão rápido quanto Chapman esperava e a Lotus entra em parafuso, com De Angelis sofrendo quatro acidentes seguidos após o Grande Prêmio do Brasil e só marcaria pontos no Grande Prêmio da Áustria, já na metade final da temporada. Foi na corrida austríaca que De Angelis conheceria seu companheiro de equipe mais longevo: Nigel Mansell. O final de 1980 se prova um pouco melhor e De Angelis marca mais alguns pontos, terminando o campeonato na décima terceira posição.
Contudo, com a saída de Mario Andretti da equipe no final de 1980, Elio de Angelis assumiria a condição de piloto número 1 da Lotus a partir de 1981. Porém, a vida de Elio se complica quando Colin Chapman resolve revolucionar a F1 novamente com o Lotus 88. As demais equipes temiam por mais um carro ultra-vencedor de Chapman e fizeram de tudo, principalmente a Ferrari e a Renault, para que o carro não corresse em nenhum Grande Prêmio. Colin Chapman ficou uma fera, enquanto De Angelis e Mansell perderam a maior parte do campeonato. Na verdade, Elio não tinha gostado do carro, o achando muito inseguro e difícil de guiar. Tendo que recorrer a um carro mais convencional, o Lotus 87, Elio de Angelis mostra sua grande marca na F1: a sua pilotagem limpa e suave. Mesmo com um carro feito as pressas, De Angelis marca vários pontos em 1981 e termina o campeonato em oitavo, com 14 pontos. Elio, piloto clássico e cavalheiro, era o extremo de Mansell, bruto ao volante e estupidamente rápido. No final de 1981, a John Player Special voltava à Lotus e De Angelis praticamente se tornava símbolo da Lotus preta e dourada, ganhando até o apelido de Príncipe Negro.
Essa não era apenas a primeira vitória de Elio de Angelis, como também o primeiro triunfo da Lotus desde 1978. Como sempre, Colin Chapman invadiu a pista de Zeltweg (bem discretamente desta vez, pois podia ser atropelado!!) e jogou seu boné preto para o alto, comemorando como sempre fez numa vitória da Lotus. O que Chapman não sabia era que aquela seria sua última atirada de boné para o ar, pois morreria (?) no final de 1982. Com isso, Peter Warr assumiria as rédeas da equipe e Elio teria a disposição o motor Renault turbo para 1983. Foi um ano duro em que o italiano teve que desenvolver um carro totalmente novo, mas com a chegada de Gérard Ducarouge na metade de 1983, Elio passou a colher alguns frutos no final do ano e no Grande Prêmio da Europa, em Brands Hatch, consegue sua primeira pole. O ano de 1984 começa promissor com De Angelis conquistando a pole logo na primeira etapa, no finado autódromo de Jacarepaguá, mas logo fica claro que a McLaren dominaria o ano com Niki Lauda e Alain Prost. Porém, 1984 foi o ano dos carros ficando sem combustível no final das corridas e Elio de Angelis aproveitou sua tocada tranqüila para conseguir levar seu Lotus ao final de várias corridas, conquistando inúmeros pódios e se tornando o "melhor do resto", terminando o campeonato num excelente terceiro lugar. Esta seria sua melhor temporada!
Elio era o primeiro piloto da Lotus até 1985, quando apareceu na equipe um brasileiro atrevido que tinha impressionado a F1 em 1984. Ayrton Senna foi a sensação de 1984 e logo na sua estréia na F1, o brasileiro levou o regular Toleman-Hart a três pódios e chamou a atenção de todas as equipes grandes. A Lotus fez de tudo para trazer Senna para sua equipe, até mesmo brigou na justiça, e no final de 1984 Senna estava treinando no Lotus de número 12, em substituição a Nigel Mansell, que tinha ido para a Williams. Senna era um verdadeiro assombro em termos de velocidade e logo de cara superou Elio de Angelis nas Classificações, algo que dificilmente acontecia com Mansell. Porém, em ritmo de corrida De Angelis ainda se sobressaía e na terceira etapa, De Angelis consegue sua segunda vitória na F1. Senna tinha acabado de conquistar a primeira vitória de sua carreira em Portugal, com De Angelis andando muito tempo em segundo debaixo de muita chuva e em Ímola, Senna conquistava outra pole e dominou a corrida até a penúltima volta, quando ficou sem combustível. De Angelis, sabendo que também teria problemas com o combustível, diminuí o ritmo e se aloja no quarto lugar, ficando atrás de Prost e Stefan Johansson, que fazia sua segunda corrida na Ferrari. O sueco tinha acabado de assumir a liderança na última volta quando também ficou sem gasolina e Prost assumiu a liderança para receber a bandeirada. De Angelis cruzou 38s atrás do francês e balançando seu carro, já sem gasolina. Após a prova, o carro de Prost estava abaixo do peso mínimo (a McLaren esqueceu de calcular a gasolina...) e De Angelis não apenas ganhava pela segunda vez na carreira, como assumia a liderança do campeonato.
Tudo ia muito bem para De Angelis até então, quando ele partiu para um teste em Paul Ricard em junho de 1985. Ainda líder do campeonato e com o dobro de pontos de Senna, De Angelis fica uma fera quando se vê desamparado pela equipe, que tinha sido conquistada por Senna nos bastidores. "Fui deixado de lado pela Lotus. Houve críticas à minha pilotagem, por eu ser bem mais cauteloso que Senna. Mas o fato é que eu liderava o Mundial, à frente de Prost e Alboreto. O problema foi que, quando cheguei no circuito, só me deixaram dar três voltas. Imagine, no dia em que eu era o líder do campeonato, me deixaram num canto como um novato qualquer", desabafou o piloto no fim daquele ano. Após anos lutando pela Lotus, perdendo até mesmo um tempo precioso de sua carreira para desenvolver os carros da equipe, De Angelis se sentiu traído pela equipe. O italiano aceitou ser segundo piloto de Senna, mas tinha decidido naquele momento que 1985 seria sua última temporada na Lotus. Para aumentar a mágoa de Elio, durante o Grande Prêmio da África do Sul Senna lhe deu algumas fechadas durante uma disputa de posição e por ironia do destino os dois abandonaram com poucas voltas de diferença. Mesmo sendo considerado um dos últimos "gentleman-drivers" da F1, aquilo tinha sido demais para De Angelis e o italiano partiu para cima de Senna quando chegaram aos boxes, com o italiano chegando a dar um empurrão no brasileiro. "Fiquei tão puto que quase quebrei a cara dele depois, nos boxes. Acho que o que aconteceu mostra bem o seu caráter. Ele é uma pessoa estranha, com uma atitude estranha em relação a mim".
No final de 1985 Elio conseguia a vaga na Brabham no lugar de outro desafeto seu: Nelson Piquet. Dizem que Piquet saiu da Brabham por que Bernie Ecclestone tinha se recusado a aumentar seu salário, enquanto Senna ainda fazia das suas na Lotus, vetando Derek Warwick na equipe. De Angelis teria ao seu lado na Brabham o seu amigo Riccardo Patrese e estrearia mais um projeto radical de Gordon Murray: o Brabham BT55. Excessivamente baixo, o carro ganhou o apelido de "skateboard", mas tinha problemas sérios de alimentação e mesmo sendo extremamente rápido nas retas, era um horror fazendo curvas. De Angelis não se adapta ao carro e não larga nenhuma vez entre dez primeiros, só completando a primeira etapa, no Brasil.
Após mais uma corrida desapontadora em Monte Carlo, onde Elio de Angelis tinha largado em último, a Brabham partiu para Paul Ricard para uma sessão de testes, juntamente com outras equipes. Riccardo Patrese era o encarregado de fazer os testes na França, mas De Angelis, insatisfeito com seus resultados, pediu a Brabham para fazer o teste e a equipe aceita o pedido sem problemas. O teste corrida bem até que a asa traseira de Elio quebra na curva Verrerie, a 290 km/h. Ao passar por uma ondulação, o Brabham alçou vôo e começou a capotar, passou por cima de um guard-rail e pousou de cabeça para baixo, rente ao guard-rail. As únicas pessoas que viram o acidente foram dois mecânicos da Benetton, que estavam nas proximidades aferindo a velocidade dos carros. Elio ficou preso dentro do carro e para piorar, o turbo começou a pegar fogo. A primeira pessoa a chegar perto do Brabham foi Alan Jones, que parara seu carro para tentar ajudar. "Não pude fazer nada, eu apenas fiquei balançando as mãos. Foi horrível," lembra o australiano. Logo depois Alain Prost e Nigel Mansell se juntaram a Jones na tentativa de virar o carro, enquanto o incêndio aumentava. O primeiro comissário de pista chegou dez minutos depois, usando uma camiseta e um short e seu despreparo era tão grande que ele jogou todo o pó químico do extintor no cockpit do carro.
Os mecânicos da Brabham, juntamente com Gordon Murray, foram ao local do acidente e por incrível que pareça, o carro estava praticamente intacto e Elio só estavam com uma clavícula quebrada e pequenas queimaduras nas costas. Mas a fumaça que se instalou no cockpit, juntamente com a demora de 30 minutos para se chegar um helicóptero para levar De Angelis ao hospital de Marselha se mostraram fatal. Na noite do acidente de Elio, Syd Watkins foi chamado por um cirurgião no hospital de Marselha e o médico da FIA foi informado que Elio tinha sofrido uma lesão cerebral volumosa e a situação era desesperadora. No dia seguinte, 15 de maio de 1986, Elio de Angelis nos deixou. Foram 108 Grandes Prêmios, duas vitórias, três pole-positions, nove pódios e 122 pontos.
Como resultado da tragédia, a FISA resolveu aumentar a segurança também nos testes particulares e a ironia disso era que Elio não era muito fã destes testes, chegando a declarar que os três dias quem compunham um final de semana de Grande Prêmio bastavam para acertar o carro. Após a morte do seu piloto, Ecclestone contrata Derek Warwick, que também tinha tido problemas com Senna e, dizem, foi o único piloto que não ligou para o chefão da Brabham atrás do cockpit deixado por De Angelis. Elio era bastante atuante na GPDA e durante a famosa greve que se abateu no Grande Prêmio da África do Sul em 1982, Elio de Angelis ficou tocando piano para os demais pilotos num hotel, escondido dos chefões da F1. Elio de Angelis foi a última morte da F1 antes do trágico final de semana em Ímola, oito anos depois. Infelizmente, Elio não pôde continuar sua promissora carreira por mais alguns anos e nos deixou com apenas 28 anos de idade, mas seu capacete branco na Lotus preta continua marcada na memória de todos que amam a F1.
fonte: jcspeedway.blogspot.com
No comments:
Post a Comment